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domingo, 13 de novembro de 2011

TÉCNICAS RETROSPECTIVAS

TEXTO BÁSICO PARA REALIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL



Educação Patrimonial
PGM 1 – O QUE É EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
Maria de Lourdes Parreiras Horta 1
 
A proposta de uma metodologia para o desenvolvimento de ações educacionais voltadas para o uso e a apropriação dos bens culturais que compõem o nosso “patrimônio cultural” foi introduzida no Brasil, em termos conceituais e práticos, por ocasião do 1o. Seminário sobre o “Uso Educacional de Museus e Monumentos”, realizado em julho de 1983, no Museu Imperial, em Petrópolis, RJ. A partir dessa proposta inicial, inúmeras experiências e atividades vêm sendo realizadas, em diferentes contextos e locais do país, que vieram demonstrar resultados surpreendentes na recuperação da memória coletiva, no resgate da auto-estima de comunidades em processo de desestruturação, no desenvolvimento local e no encontro de soluções inovadoras de preservação do patrimônio cultural, em áreas sob o impacto de mudanças e transformações radicais em seu meio ambiente.
O desenvolvimento de programas de Educação Patrimonial, envolvendo não só a rede escolar, mas também as organizações da comunidade local, as famílias, as empresas e, principalmente, as autoridades responsáveis, contribuiu para a ampliação de uma nova visão do Patrimônio Cultural Brasileiro em sua diversidade de manifestações, tangíveis e intangíveis, materiais e imateriais, como fonte primária de conhecimento e aprendizado, a ser utilizada e explorada na educação de crianças e adultos, inserida nos currículos e disciplinas do sistema formal de ensino, ou ainda como instrumento de motivação, individual e coletiva, para a prática da cidadania e o estabelecimento de um diálogo enriquecedor entre as gerações.
O princípio básico da Educação Patrimonial é a experiência direta dos bens e fenômenos culturais, para se chegar à sua compreensão e valorização, num processo contínuo de descoberta. A realização de inúmeras oficinas de treinamento de professores na prática da metodologia proposta promoveu a disseminação do método e das experiências, enriquecida pela contribuição de cada agente educacional em seus diferentes contextos. A demanda por materiais e bibliografia relacionados com o tema fez com que, em 1999, produzíssemos, com o apoio do IPHAN e do Ministério da Cultura, um “Guia Básico da Educação Patrimonial”, que pudesse servir de suporte ao trabalho em diferentes circunstâncias e experiências. Os textos dessa apostila reproduzem  parte deste material, no momento esgotado para distribuição. O interesse despertado pelo assunto já motivou duas teses de mestrado em Educação, apresentadas à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e outra apresentada à Universidade Federal de Santa Maria, RS. Algumas das propostas e práticas sugeridas foram inspiradas no trabalho educacional sobre o Patrimônio Cultural desenvolvido na Inglaterra, um país que se destaca pela qualidade de seu sistema educacional e pela riqueza de seus museus e de seus monumentos. Estas referências constam da bibliografia sugerida, mas são de difícil acesso no Brasil, e publicadas em inglês. Muitos artigos, entretanto, já estão publicados por autores brasileiros em revistas universitárias e científicas, o que não supre a necessidade de mais estudos e publicações sobre o tema. É preciso, assim, que os professores e agentes educacionais que se envolvam na exploração da Educação Patrimonial, em sua atividade pedagógica, registrem e analisem essas experiências, contribuindo para o aprofundamento de conceitos e do embasamento teórico de sua prática.
O que é, afinal, a Educação Patrimonial?
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. Isto significa tomar os objetos e expressões do Patrimônio Cultural como ponto de partida para a atividade pedagógica, observando-os, questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem ser traduzidos em conceitos e conhecimentos. Só após esta exploração direta dos fenômenos culturais, tomados como “pistas” ou “indícios” para a investigação, se recorrerá então às chamadas “fontes secundárias”, isto é, os livros e textos que poderão ampliar esse conhecimento e os dados observados e investigados diretamente.  A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. A observação direta e a análise das “evidências” (aquilo que está à vista de nossos olhos) culturais permitem à criança ou ao adulto vivenciar a experiência e o método dos cientistas, dos historiadores, dos arqueólogos, que partem dos fenômenos encontrados e da análise de seus elementos materiais, formais e funcionais para chegar a conclusões que sustentam suas teorias. O aprendizado desse método investigatório é uma das primeiras capacitações que se pode estimular nos alunos, no processo educacional., desenvolvendo suas habilidades de observação, de análise crítica, de comparação e dedução, de formulação de hipóteses e de solução de problemas colocados pelos fatos e fenômenos observados.
O conhecimento crítico e a apropriação consciente por parte das comunidades e indiví­duos do seu “patrimônio” são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania. O patrimônio, como o nome diz, é algo herdado de nossos pais e antepassados. Essa herança só passa a ser nossa, para ser usufruída, se nos apropriarmos dela, se a conhecermos e reconhecermos como algo que nos foi legado, e que deveremos deixar como herança para nossos filhos, para as gerações que nos sucederão no tempo e na história. Uma herança que constitui a nossa riqueza cultural, individual e coletiva, a nossa memória, o nosso sentido de identidade, aquilo que nos distingue de outros povos e culturas, que é a nossa “marca” inconfundível, de pertencermos a uma cultura própria, e que nos aproxima de nossos irmãos e irmãs, herdeiros dessa múltipla e rica cultura brasileira. O conhecimento dos elementos que compõem essa riqueza e diversidade, originários de diferentes grupos étnicos e culturais que formaram a cultura nacional, contribui igualmente para o respeito à diversidade, à multiplicidade de expressões e formas com que a cultura se manifesta, nas diferentes regiões, a começar pela linguagem, hábitos e costumes. A percepção dessa diversidade contribui para o desenvolvimento do espírito de tolerância, de valorização e de respeito das diferenças, e da noção de que não existem povos “sem cultura”, ou culturas melhores do que outras. O diálogo permanente que está implícito neste processo educacional estimula e facilita a comunicação e a interação entre as comunidades e os agentes responsáveis pela preservação e o estudo dos bens culturais, possibilitando a troca de conhecimentos e a formação de parcerias para a proteção e valorização desses bens.
A Educação Patrimonial pode ser assim um instrumento de “alfabetização cultural ” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao desenvolvimento da auto-estima dos indivíduos e comunidades, e à valorização de sua cultura, como propõe Paulo Freire em sua idéia de “empowerment ”, de reforço e capacitação para o exercício da auto-afirmação.
A metodologia específica da Educação Patrimonial pode ser aplicada a qualquer evidência material ou manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre os indivíduos e seu meio ambiente.Outro aspecto de fundamental importância no trabalho da Educação Patrimonial é o seu caráter transdisciplinar, podendo ser aplicado como método em todas as disciplinas, como veremos mais adiante.
O Patrimônio vivo: a dinâmica cultural
Todas as ações por meio das quais os povos expressam seu modo específico de ser constituem a sua cultura, que vai ao longo do tempo adquirindo formas e expressões diferentes. A cultura é um processo eminentemente dinâmico, transmitido de geração em geração, que se aprende com os ancestrais e se cria e recria no cotidiano do presente, na solução dos pequenos e grandes problemas que cada sociedade ou indivíduo enfrentam. Neste processo dinâmico de socialização, em que se aprende a fazer parte de um grupo social, o indivíduo constrói a própria identidade.
Reconhecer que todos os povos produzem cultura e que cada um tem uma forma diferente de se expressar é aceitar a diversidade cultural. Este conceito nos permite ter uma visão mais ampla do processo histórico, reconhecendo que não existem culturas mais importantes do que outras. O Brasil é um país pluricultural e deve esta característica ao conjunto de etnias que o formaram e à extensão do seu território. Estas diversidades culturais regionais contribuem para a formação da identidade do cidadão brasileiro, incorporando-se ao processo de formação do indivíduo, e permitindo-lhe reconhecer o passado, compreender o presente e agir sobre ele.
O Patrimônio Cultural Brasileiro não se resume aos objetos históricos e artísticos, aos monumentos representativos da memória nacional ou aos centros históricos já consagrados e protegidos pelas instituições e agentes governamentais responsáveis por essa proteção, como o IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no âmbito federal, e os órgãos de patrimônio estaduais e municipais. Existem outras formas de expressão cultural que constituem o patrimônio vivo da sociedade brasileira: artesanatos, maneiras de pescar, caçar, plantar, cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e remédios, de construir moradias e fabricar objetos de uso, a culinária, as danças e músicas, os modos de vestir e falar, os rituais e festas religiosas e populares, as relações sociais e familiares, as canções, as histó­rias e lendas contadas de geração a geração, tudo isto revela os múltiplos aspectos que pode assumir a cultura viva e presente em uma comunidade.
O saber e a experiência da vida na floresta é parte fundamental da herança cultural dos índios da Amazônia, ou de outras regiões do país, nas quais muitas vezes esse patrimônio cultural vem se perdendo na memória dessas comunidades. O maracatu, tão popular no Nordeste e no Norte do país, é a expressão de elementos trazidos pela cultura africana, incorporando uma prática religiosa e uma manifestação popular, sendo assim, da mesma forma, um elemento significativo da cultura brasileira. O Carnaval de Olinda, as vaquejadas do Pantanal, as técnicas tradicionais da pesca no litoral de Santa Catarina, o trabalho das rendeiras nordestinas, as panelas fabricadas pelas mulheres do Vale do Jequitinhonha, a maneira de plantar, fiar e tecer o linho que ainda sobrevive no interior do Rio Grande do Sul, as rodas de samba cariocas, as festas do Divino em Parati, são exemplos da cultura viva que pode ser trabalhada e conhecida por meio da Educação Patrimonial.
A necessidade do passado: o uso do patrimônio cultural no
processo educacional
O processo educativo, em qualquer área de ensino/aprendizagem, tem como objetivo levar os alunos a utilizarem suas capacidades intelectuais para a aquisição de conceitos e habilidades, assim como para o uso desses conceitos e habilidades na prática, em sua vida diária e no próprio processo educacional. A aquisição é reforçada pelo uso dos conceitos e habilidades, e o uso leva à aquisição de novas habilidades e conceitos. A Educação Patrimonial consiste em provocar situações de aprendizado sobre o processo cultural e, a partir de suas manifestações, despertar no aluno o interesse em resolver questões significativas para sua própria vida, pessoal e coletiva. O patrimônio histórico e o meio ambiente em que está inserido oferecem oportunidades de provocar nos alunos sentimentos de surpresa e curiosidade, levando-os a querer conhecer mais sobre eles.  Nesse sentido podemos falar na “necessidade do passado , para compreendermos melhor o “presente e projetarmos o futuro”. O estudo dos remanescentes do passado motiva-nos a compreender e avaliar o modo de vida e os problemas enfrentados pelos que nos antecederam, as soluções por eles encontradas para enfrentar esses problemas e desafios, e a compará-las com as soluções que encontramos hoje, para os mesmos problemas (moradia, saneamento, abastecimento de água, iluminação, saúde, alimentação, transporte, e tantos outros aspectos). Podemos facilmente comparar essas soluções, discutir as causas e origens dos problemas identificados e projetar as soluções ideais para o futuro, num exercício de consciência crítica e de cidadania.
A metodologia da Educação Patrimonial
A metodologia proposta para as atividades de Educação Patrimonial se estrutura sobre cinco etapas, caracterizadas por diferentes recursos pedagógicos, visando objetivos definidos para cada uma. Estas etapas seguem uma determinada ordem mas podem, naturalmente, acontecer simultaneamente, dependendo das respostas e iniciativas das crianças. As etapas propostas, os recursos, atividades e objetivos visados podem ser resumidos no quadro abaixo, e podem ser enriquecidas e inovadas pelo professor: 
 
 
Antes de iniciar o trabalho com qualquer dos temas do Patrimônio Cultural, procure estudar e conhecer o tema a ser tratado. Você pode conversar com os técnicos do Museu local, do Instituto do Patrimônio, com membros da comunidade, ir a bibliotecas e arquivos para ampliar seu enfoque e conhecer os recursos a serem explorados. Defina seus objetivos educacionais e os resultados pretendidos. Decida que habilidades, conceitos e conhecimentos você quer que seus alunos adquiram e de que modo o trabalho se insere no seu currículo. Verifique que outras disciplinas poderiam estar envolvidas na exploração do tema, e converse com outros professores dessas matérias. Converse com a coordenação pedagógica de sua escola para discutir como o trabalho será avaliado, e como poderá ser mostrado na escola, de modo a ser aproveitado pelos demais alunos.
Como será a preparação do trabalho de campo e o desenvolvimento posterior em sala de aula? A maioria das crianças vai sentir que aproveitou mais a experiência se tiver um produto final tangível. Uma sessão de diapositivos, um vídeo, uma dramatização ou uma pequena exposição das fotos, textos e trabalhos feitos podem documentar todo o processo, e possibilitar a discussão pedagógica entre os professores e coordenação.
Uma apresentação ou entrevista com outras pessoas, como colegas de escola, professores, pais, avós, moradores da vizinhança podem ser recursos para multiplicar e reforçar o trabalho realizado, promovendo a integração das crianças com a comunidade escolar, familiar e da vizinhança.  
NOTAS: 
1        Museóloga, Doutora em Museologia pela Universidade de Leicester, UK. Diretora do Museu Imperial, IPHAN, Ministério da Cultura. Consultora dessa série e autora dos 5 textos deste Boletim.



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